quarta-feira, 30 de setembro de 2009

[Alto-Giro] Aston Martin One-77

Aston Martin One-77
O nascimento de um mito





Em uma época quase sem precedentes recentes na história automotiva, com o anúncio de diversos lançamentos importantes para o Salão de Frankfurt de 2009, a Aston Martin revelou seu mais novo superesportivo, projetado e construído de modo nunca visto antes na empresa. Seu lançamento talvez não tenha recebido o destaque merecido, sendo que a atenção do público neste período foi disputado em alto nível com lançamentos importantes da Ferrari, McLaren, Mercedes-Benz, Bugatti, Lamborghini, Porsche, e da própria Aston.



O Aston Martin One-77 é uma jogada inesperada da marca britânica, pois a Aston nunca entrou num jogo com apostas tão altas. Em uma companhia de tanta tradição e história automotiva, é difícil de dizer o quão importante um lançamento é para a empresa.

É perigoso afirmar que um carro novo será o "melhor carro de todos os tempos", afinal a Aston já fez tantos carros espetaculares.

Mas não épicos, como este.

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A Aston sempre foi conhecida como uma construtora de esportivos Gran-Turismo elegantes, de baixa produção e sem tanto comprometimento com o desempenho absoluto. Como um Gran-Turismo realmente é representado. Assim como já mencionamos brevemente antes, no post da Ferrari California, hoje em dia muitos esportivos GT's são injustamente desqualificados simplesmente por apresentarem números absolutos de desempenho inferiores aos superesportivos voltados à este fim. Esportivos Gran-Turismo, como o próprio nome já diz, são carros voltados ao prazer de dirigir, e que melhor se adequam a uma longa e prazeirosa viagem ao volante, sem jamais relevar do conforto à bordo e praticidades necessárias para uma cruzada continental. Como já foi dito antes, se o conceito de uma "viagem intercontinental" pode soar estranha, vale lembrar que tal termo surgiu em uma época romântica para fabricantes de esportivos europeus, quando seus limites continentais não iam além das fronteiras do Velho Mundo. E, para esse propósito, poucas marcas interpretam melhor esse sentido do que a Aston Martin. Porém, sem jamais abandonar sua tradição, a Aston também já teve algumas incursões no terreno de superesportivos, com variações de alguns carros existentes, como o DB5 Vantage GT, o V8 Vantage 1977, o Vanquish e o Vanquish S, e mais recentemente, o DBS e o V12 Vantage.
Muito argumentam cegamente que o Vanquish foi mal-sucedido (para não dizer fracassado) para a Aston, por - novamente - não conseguir conseguir equiparar o nível de desempenho alcançado por seus concorrentes italianos e alemães. Vamos examinar o Vanquish pelo ponto de vista técnico.... o quadro principal do chassis é composto por barras interligadas de alumínio extrudado, com a adição do túnel central de fibra de carbono, formando uma estrutura similar ao que a Lotus, reconhecida por todos pela excelência técnica de seus chassis, usa em seus modelos. As colunas A's são também fabricadas de malha de fibra de carbono tecidas por uma máquina em volta de um núcleo de espuma, sendo no final juntadas ao quadro principal. Todo esse conjunto extremamente rígido pesa apenas cerca de 110 kg!! Tudo bem que o motor V12 de 450 cv pode não representar tanto quanto era de se esperar de um 12 cilindros, e o câmbio com comando de alavancas no volante (inovador para a época) tinha uma dinâmica irritante, de acordo com avaliações da imprensa.
Mas o Vanquish representou a virada da Aston Martin, ao abandonar de vez seus projetos arcaicos (para a época de 2001) e surpreender com um esportivo extremamente avançado de construção tão sofisticada e apurada. Se o DB7 serviu para romper com a antiga fama de carros antiquados e iniciar a virada para a empresa, o Vanquish veio para concretizar a nova fase da Aston.
Assim, em uma história conturbada de altos e baixos, com épocas marcantes de excelentes esportivos como o DB4 e DB5, passando por decadentes períodos vendendo carros como os V8 e o Virage e gradualmente retomando sua glória a partir do DB7, o Vanquish e agora o DB9, V8 Vantage, e DBS, a Aston Martin atinge seu auge absoluto com o One-77.
Podemos interpretar o One-77 de diversas maneiras. É possível considerá-lo um superesportivo pleno, com potência e dinâmica comportamental rivais às de Pagani Zonda e Porsche Carrera GT. É possível vê-lo como uma vitrine de inovações surpreendentes, como fora a Ferrari Enzo na época de sua introdução. Pode-se considerá-lo também um perfeito exótico de desenho extravagante e preços astronômicos, tal como o Lamborghini Reventón. E, em termo de disposição do motor, central-dianteiro, e até pelo seu porte, se assemelha um tanto com o Mercedes SLR. O One-77 é tudo isso, sem jamais abandonar a tradição Gran-Turismo da marca Aston-Martin.
Eu tenho dois pontos de vista em relação ao One-77. Me arrisco a dizer que, no âmbito dos superesportivos no mundo, pelas suas inovações técnicas e a despreocupação completa com o custo do projeto em prol da excelência da engenharia, vejo-o talvez como digno o suficiente para preencher a lacuna deixada pelo que o Mclaren F1 representou à sua época. Olhando agora internamente em relação à empresa, vejo-o como um substituto superlativo do Vanquish, sendo um legítimo Gran-Turismo fiel ao seu conceito, mas muito avançado tecnicamente no seu tempo, e por ocupar a posição de topo da empresa, lacuna que restava desde o término da produção deste.
Explicarei meus motivos agora.

Até antes da apresentação oficial, em sua mais conceituada concessionária de Los Angeles, o One-77 foi muito alardeado pela Aston Martin como o próximo supercarro a romper padrões no mundo dos superesportivos. Tudo isso acabou por gerar uma expectativa contrária no ambiente eletrônico de blogs e publicações, pois muito era alardeado e pouco era apresentado. Acabou-se criando a idéia de que o One-77 seria apresentado como um DB9 anabolizado. Foi especulado em alguns lugares, que o One-77 seria construído sobre uma plataforma alargada do DB9 com um motor remapeado para maior potência, e sem muitas alterações técnicas que justificassem o preço exorbitante de 1,8 milhão de dólares americanos, que seria somente mais uma enganação pago pela exclusividade da produção limitada. E no final, a Aston cumpriu o que prometeu.
O One-77 é um carro completamente novo, com chassis e carroceria projetados do zero. Sua relação com outros Astons atuais se limita às semelhanças do motor, que é uma versão modificada do V12 do DB9, com litragem expandida para 7.3 L!!! E adivinhem de onde veio esse V12....? Vanquish!
Se o próprio conceito de um motor 12 cilindros de 7.3 litros já é o suficiente para não restar dúvidas em relação à força disponível, suas especificações conservadoramente estimadas de 700 hp e 77 kgmf são motivo para donos de Enzos, Carrera GTs, Murciélagos e -por que não- Veyrons, suarem frio ao avistarem um demônio desses nas ruas. Os dados foram anunciados pela própria Aston Martin, e são especulações conservadoras, uma vez que o ajuste e medições finais do trem de força ainda não foram concretizados. Por agora, é curioso como o número 7 se repete nessas especificações, assim como o número de One-77's a serem fabricados: 77!
Analisando um pouco melhor esses dados, é impossível não ficar cada vez mais impressionado. Os números deste V12 são referentes a um motor sem sobrealimentação ("aspirado"), e produz tanto torque quanto o V10 biturbo diesel da VW (motores que queimam diesel oferecem naturalmente mais torque e menos potência do que um equivalente à gasolina). Para se ter idéia, Jeremy Clarkson, em um episódio cômico, usou um Touareg com esse motor para puxar um Jumbo 747. Um Murciélago Superveloce (aquele que tenta fugir do demônio....) dispõe de 67 kgfm, e 670 hp. É de se vangloriar a competência dos engenheiros da Aston Martin de conseguirem realizar tal feito.
O Murciélago Superveloce pesa 1550 kg e atinge 100 km/h em 3,2s. O One-77 pesa 50 kg a menos. Já dá pra adiantar que, em aceleração, o One-77 será um monstro!!!
Bom, ficou claro que não restam dúvidas que o trem de força do One-77 é igual ou melhor aos dos melhores superesportivos atuais.
Agora vamos falar da melhor parte do carro.....

Debaixo do capô do One-77, além do magnífico V12, nota-se logo de cara, a suspensão de disposição iguais aos da F1, com amortecedores ativos de push-rods dispostos transversalmente na horizontal. De primeira, percebe-se que se trata de uma aplicação técnica muito especial, pois o simples uso dessa disposição foge da montagem da mola e amortecedor em posição vertical presos aos braços da suspensão junto à roda, como se monta em 90% dos carros no mundo, reduzindo drasticamente o peso não-suspenso (peso do conjunto da roda + amortecedor + mola + freio).
Diminuindo o peso não-suspenso, menos influência essa massa “morta” causa no conjunto da roda, melhorando sensivelmente a dinâmica do sistema de suspensão do veículo. Em palavras simples, o sistema suspenso torna-se mais “leve”, e menos carga o sistema precisa filtrar, melhorando diretamente a dinâmica do carro em si. Mas, junto à essa geometria especial, foi montado o amortecimento ativo de push-rods, com constante ajuste de carga da suspensão de acordo com a força que esse sistema é submetido.
Tanto a suspensão dianteira, quanto a traseira, foram montadas sob esta geometria. O conjunto traseiro, pelo maior espaço disponível, é montado com 4 amortecedores horizontais, ao invés dos 2 do conjunto dianteiro.
Além disso, os dois amortecedores menores da foto, são parte do mecanismo da barra de amarração (barra anti-rolagem). Em cada detalhe, o Aston impressiona cada vez mais!! Uma barra de amarração é uma simples, mas eficiente, barra de torção que liga as duas rodas do mesmo eixo, limitando o movimento relativo entre eles, e dessa maneira, a rolagem do veículo. Obviamente uma barra “normal” não seria suficiente para este carro. Dessa maneira, a engenharia da Aston Martin desenvolveu uma barra com amortecimento nas suas extremidades, permitindo assim que o proprietário regule a rigidez que esse sistema transmitirá à rolagem do veículo.
Agora, analisando um pouco melhor a foto do compartimento do motor, vemos talvez o que mais impressiona nesta legítima peça de arte da engenharia:
Os coletores de admissão estão conectados diretamente no parede do quadro do chassi!!
Nunca houve uma solução semelhante à esta na história, parecendo até que os dutos estão muito erroneamente posicionados. Uma disposição radicalmente inovadora, que só é possível pelo seu monobloco construído completamente de fibra-de-carbono.
Ter o motor tão intimamente conectado ao chassi do carro é até romântico. Faz com que o carro pareça-se cada vez mais uma peça única e completa. Eliminam-se suas entranhas, aquele emaranhado de tubos, cabos e filtros aparentes, fazendo com que o coração do One-77 fique exposto de maneira transparente e apaixonante. Faz com que o carro pareça mais vivo! Isso da visão de quem ama carros.
Por outro lado, visto pela engenharia, esta solução é não menos espetacular. Reduzir peças móveis do carro é sempre benéfico para o carro. Reduz-se o peso, aumenta-se a durabilidade, diminuem-se as vibrações. Aqui, este nirvana da engenharia é o conjunto de uma solução brilhante à técnica de construção intocável do chassi totalmente de fibra de carbono.
Quase a totalidade dos componentes estruturais do One-77 é construído de fibra-de-carbono. Este material faz a mágica de totalizar o peso do carro em 1500 kg cravados. Lembrando que os superesportivos revelados recentemente apresentam pesos de cerca de 1400kg para a Ferrari 458 Italia e 1600 kg para a Mercedes-Benz SLS (e que um VW Jetta pesa mais que 1400 kg), 1500 kg também é um número impressionante, muito reduzido para um monstro de simplesmente 700 hp, e acabamento interno tão esmerado.
Continuando com a dissecação de suas partes íntimas, a pornografia automotiva só aumenta. Imitando a solução da Mclaren F1 de 1992, foi usado também ouro em diferentes partes da cobertura do compartimento do motor, para a máxima dissipação de calor. Este nobre material possui o melhor coeficiente de reflexão, o que maximiza a eficiência da dissipação do calor gerado pela cavalaria que sua ofegante debaixo do capô. Nem os reis da antiguidade cobriam seus cavalos com mantas de ouro. A Aston usa. E muito! O ouro folhado é aplicado na parte interna do capô, na cobertura superior do motor e no fechamento inferior do motor. Ou seja: de cima para baixo, temos ouro, fibra-de-carbono, ouro, alumínio, e mais ouro! É como se a Aston Martin estivesse anunciando em um outdoor, como projetou seu supra-sumo desconsiderando qualquer restrição financeira, em prol da excelência técnica a qualquer custo!
Eu admiro muito a excelência técnica em um carro. Atualmente, admiro muito mais do que seu simples desenho externo. Muitas vezes esportivos são qualificados como melhores ou piores só por 2 dados: aceleração 0-100 km/h e velocidade máxima. Quantas vezes não vimos discussões em fóruns e blogs sobre qual carro é melhor que o outro, só considerando essas duas informações.
Muitas vezes, a real beleza do carro está longe das linhas de sua carroceria. Sendo um engenheiro mecânico que está escrevendo este post, isso talvez seja mais fácil de se ver em alguns casos. Mas acho que no One-77, isso fica óbvio, explícito. O One-77 pode ter belíssimas linhas no seu design, com para-lamas alargados, e um porte bem agressivo. Sua bela carroceria, no entanto, é só uma roupa que veste a verdadeira beleza desta peça. Seu desenho é a parte menos bela do carro. Deveriam lançar uma versão naked. Como em motos superesportivas. Para esse Aston, isso seria mais do que simplesmente expor seu motor e estrutura; seria pornografia automotiva explícita!!
O One-77 é um carro de superlativos. É um verdadeiro halo-car, daqueles que são lançados com a intenção de marcar uma época e entrar pra história, quebrar fronteiras. Naturalmente cobra o preço de tanta exclusividade, excelência técnica, perfeição construtiva e nobreza de materiais. Cada um dos 77 fabricados terá o preço de venda é de 1,8 milhão de dólares!!! Um valor 80% acima do preço do Bugatti Veyron, atualmente o carro mais caro do mundo, e o suficiente para comprar mansões e jatinhos de alto padrão! O suficiente para comprar tudo que você precisa: um Lamborghini Murciélago, um Rolls Royce Phantom, um DB9 Volante, um Range Rover, um Bentley Continental GT... e ainda sobra um troco de cerca de meio milhão de dólares!!!
É por isso que não faz sentido pensar se vale a pena comprar um carro desses. A racionalidade certamente não foi levada em conta durante o projeto do One-77. E é para um exclusivo público que aprecia cegamente a excelência técnica acima de qualquer critério, que esta obra-de-arte foi esculpida. Afinal, muitos bilionários pagam milhões de dólares por um quadro! A Aston com certeza prevê que existam 77 afortunados no mundo que desejam investir em outro tipo de arte. Neste caso, a arte da engenharia está quase toda escondida sob as belas linhas da carroceria!



 

- Xineis

4 comentários:

  1. ANIMAL xineis!
    uma das melhores resenhas de carro que já li!

    muito completa, cheia de pensamentos a respeito e não só um monte de ficha técnica e press release como vemos nos outros blogs e sites por aí

    esse conteudo é de altíssima qualidade!
    duvido que haja um conteúdo dessa qualidade sobre esse carro em português, quiçá em ingles!!

    mandou bem pra caramba

    eu ja pensei em falar sobre esse carro aqui, mas nao conseguiria escrever nem 1/5 desse post
    valeu msm

    abs!

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  2. valeu rossi!!!!

    sei que ficou meio grande, mas escrevi tudo isso por prazer próprio!! a intenção nunca é ser melhor ou pior que ninguém, como sempre foi assim nesse blog!

    espero que tenham gostado

    comentários motivantes são sempre bons =)

    abs

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  3. é isso ae, tem q postar o que gosta

    nem falei q é melhor ou pior....mas que ta MTO bom

    abs

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  4. Animal, Xineis!!! Ficou muito bom, mesmo, uma mistura de artigo, histórico e avaliação técnica tudo-em-um! Parabéns, cara, com certeza temos espaõ pra mais obras assim no site.

    Eu concordo com a sua visão dos Astons serem os GTs por excelência, acho-os sensacionais. O DB9 fica lá em cima na minha lista de carros pra ter pra sempre.

    Essa história de não se importar com o preço final é muito legal pra nós, que adoramos carros, mas não garante resultados desse nível. É só comparar com o Veyron, hahaha!! (Propostas diferentes à parte)

    Cara, a suspensão F1 e o coletor de admissão no chassi são realmente os highlights técnicos do carro, ambos impressionantes. E o ouro é uma bem-vinda referência a nosso amado Mc F1.


    PS: o V8 Vantage de '77 é um Mustang cuspido e escarrado, hahaha!!

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